Sabemos que os gastos públicos são uma fatia considerável do mercado e que afetam diretamente milhares de empresas. Todos os anos, bilhões são gastos na compra de medicamentos, alimentação, manutenção de ativos, materiais de escritórios e diversos outros produtos e serviços.
Não costumo falar muito do âmbito governamental aqui no blog. Mesmo porque você, querido leitor ou leitora, geralmente costuma pertencer ao setor privado. Entretanto, há alguns dias, “passeando” pelo site da ABNT, vi uma matéria que me chamou atenção. Então achei que valia a pena abordar o tema por aqui.
(ao final da leitura, se meu texto não te matar de tédio até lá, me diz se esse conteúdo é interessante para você e se eu deveria trazer mais notícias do gênero para cá?)
Sancionada em 1º de abril de 2021, a lei LEI Nº 14.133, nova lei de licitações, contém um artigo que pode incentivar empresas a buscar certificações e, talvez, isso resulte em um aumento da qualidade dos produtos e serviços fornecidos para a administração pública.
Artigo 42 da Nova Lei de Licitações
Como um todo, a nova lei de licitações sofreu várias mudanças significativas. Mas nesse artigo vou falar apenas do artigo 42, que trata da “prova de qualidade” e como ela pode ser atestada. Abaixo, vou transcrever o artigo (com alguns grifos feitos por mim):
Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios:
I – comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro;
II – declaração de atendimento satisfatório emitida por outro órgão ou entidade de nível federativo equivalente ou superior que tenha adquirido o produto;
III – certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada.
Além do texto acima transcrito, o artigo ainda trás 3 outros parágrafos que não achei relevantes para este texto. Entretanto, você pode consultar a lei na íntegra clicando aqui.
Por que Qualidade e incentivo ao mercado de certificações?
Me chamou a atenção o uso dos termos grifados.
No inciso I, a lei cita expressamente normas técnicas, algo comum para nós, e complementa com “determinadas por órgãos oficiais competentes”, pela própria ABNT ou entidades credenciadas pelo Inmetro. Portanto, podemos relacionar esse inciso diretamente às normas ISO, por exemplo.
De certa forma, isso significa que se as empresas quiserem vender para o governo (ou continuar vendendo), precisarão buscar mais Qualidade. Uma forma de demonstrar essa busca é certificando-se em normas técnicas e submetendo seus produtos à análise.
O inciso II não está diretamente relacionado ao conteúdo deste artigo. Entretanto, me pareceu interessante porque abre espaço para troca de experiências dentro da administração pública. Isso possibilita a troca de informações, algo que, a meu ver, não ocorre muito. (P.s.: quanto ao parágrafo anterior, opinião pessoal, totalmente passível de erro)
Por fim, o inciso III abre mais espaço para ensaios e, provavelmente, até mesmo calibrações. Algo muito interessante do ponto de vista do comprador (o governo), pois pode garantir a entrega de melhores produtos e serviços e, assim, possibilitar melhor atendimento à população. Novamente, para vender para o governo, as empresas vão ter que se movimentar na busca por essas certificações, certificados ou laudos laboratoriais.
Mas será? ¯\_(ツ)_/¯
À primeira vista, essa informação me deixou bastante animado. Não por, de certa forma, fazer parte do mercado de certificações (o que também é uma boa notícia), mas porque a lei me pareceu um avanço quanto a qualidade das contratações. Isso, a meu ver, se traduziria na melhor prestações dos serviços públicos para a população.
Entretanto, para escrever esse artigo, procurei entender um pouco melhor as mudanças e o contexto ao qual elas estavam inseridas. Mesmo que com algumas ressalvas, acredito que a atualização foi benéfica e que algumas emendas estão por vir. Infelizmente, sabemos que muitas vezes a lei é feita por brechas, e não por condutas.
O que realmente me “deixou desanimado” foi outra informação. Fiquei feliz por entender que a lei está buscando mais qualidade ao requisitar tais certificações, laudos e normas técnicas. Entretanto, descobri que em 2020, 40% das compras federais ocorreram sem licitação…
Entendo que existam casos de dispensa de licitação, inexigibilidade e etc, e que eles são importantes em alguns casos. Entretanto, isso ocorre em partes porque o processo é moroso e lento. Uma nova lei, a meu ver, teria de atuar nisso, para acelerar o processo de forma segura e íntegra, reduzindo os casos em que a licitação é feita às pressas (ou é dispensada).
Isso, pelo que estudei e li sobre a nova lei, não aconteceu. Assim, sem essa agilidade, temos o resultado que tivemos no ano passado: 40% de compras não licitadas. Na prática, então, se essa lei estivesse em vigor no ano passado, 40% das compras não seriam “afetadas” por ela (fontes: CNN Brasil e Revista Veja).
A justificativa de tais compras foi a Pandemia (Covid-19) e nem quero entrar no mérito de o combate ao vírus ter sido ineficaz. O que me preocupa é que a pandemia perdura, e vai continuar por mais algum tempo. Nesse caso, em 2021 quase metade das compras federais continuarão a ser sem licitação?
E se novas cepas do vírus se disseminarem em 2022? Se a pandemia “não acabar”? Mais um ano com 40% (ou mais, a tendência é sempre o crescimento) de compras sem licitação? Infelizmente, sabemos que temos problemas gravíssimos com corrupção e ineficiência de compras. Mesmo porque, se não tivéssemos esses problemas, não precisaríamos de uma lei com quase 200 artigos e mais de 40 mil palavras).
Agora, é esperar a aplicação da Nova Lei de Licitações
Estamos acostumados a trabalhar com normas técnicas que, apesar de não serem leis, trabalham com requisitos, condutas e regras. Portanto, sabemos que norma não é sistema, não é vida real. Sabemos que o que está escrito no papel infelizmente, pode ser diferente do que acontece na realidade. (o que é sempre péssimo)
Assim, apesar de gostar da lei e achar que, em suma, ela pode ser um grande avanço, ficam algumas preocupações.
A nós, cabe cobrar a aplicação correta desse amontoado de artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Cabe às empresas se esforçar para melhorar seus produtos e atender melhor aos clientes (sejam governo ou não). E cabe ainda ao governo garantir que a nova lei não será subvertida e usada como forma de burlar o sistema.
Eu sei, é um conjunto de combinações bastante improvável e, de certa forma, quase utópico. Porém, se não for para lutar, acreditar e sonhar com dias melhores, de que vale a vida? Seja ela no público ou privado. Um abraço, e até a próxima!