Pentágono da Fraude: a geometria do suborno e corrupção

O Pentágono da Fraude disseca os motivos pelos quais alguém comete um ato de fraude e corrupção, o que nos permite agir contra esse mal 🕵️‍♂️

O Pentágono da Fraude não é algo que está “necessariamente” ligado aos sistemas de gestão. Inclusive, por muito tempo, esse assunto foi relegado a segundo plano.  Além disso, como tudo que envolve suborno, falar sobre esses assuntos no Brasil ainda é um tabu.

Eu mesmo, confesso que sou muito preconceituoso quando o assunto é corrupção. Por muito tempo tive (e ainda tenho) uma postura de muita aversão aos indivíduos envolvidos em escândalos e tudo mais. Agora, talvez, você esteja pensando: “Mas Davidson, e tá errado?”.

A resposta é não! Acredito que combater esse tipo de prática é FUNDAMENTAL! Entretanto, o problema, a meu ver, é que essa repulsa que costumamos sentir acaba atrapalhando o julgamento e, assim, a tratativa do problema. Ela nos faz inferir e se distanciar das causas.

Eu, por exemplo, demorei muito para entender que esse não é só um problema do indivíduo, mas também das empresas. Com isso, confesso que poucas vezes me vi refletindo sobre o porquê de alguém ceder ao suborno ou corrupção.

Já fazia um tempo que eu queria falar disso aqui, mas não achava “o jeito” certo de fazer isso. Ademais, com a ISO “metendo o pé na porta” do mercado de Compliance, acho que agora é hora de começar a debater esse assunto com as pessoas. (Afinal, a 37001 chegou para ficar em 2017; e, recém saída do forno, a 37301 não parece tomar caminho diferente!)

A deixa: Compulsão e Reabilitação para Corruptos

Algo que me incentivou bastante a trazer esse assunto foi uma live que vi no canal da ATSG. Nela, o Rogério Meira bateu um papo com o Renato Santos, do IPRC, sobre algo bastante “polêmico”: reabilitação para corruptos.

Eu achei fantástico conhecer uma iniciativa que trata deste problema longe do clichê de sempre. Longo do tumultuo e do “ódio coletivo” (que eu mesmo já senti, e muito). Eu sempre acreditei em tratar a causa raiz das coisas, e no fundo sempre achei que não sabemos fazer isso quando o assunto é corrupção.

Na live, muita coisa me chamou a atenção, mas obviamente não dá pra falar tudo aqui. Mas o Rogério citou algo interessante: O Pentágono da Fraude. Uma observação importante é que o Renato dos Santos é responsável por “preencher o pentágono” é acrescentar o 5º fator da lista (por isso a citação).

Eles não se aprofundaram nos 5 fatores, não dissecaram o modelo. Portanto, no artigo de hoje, quero falar um pouco do pentágono e discutir até onde as empresas podem atuar nesse contexto.

O Pentágono da Fraude

O Pentágono da Fraude é um modelo de compreensão da fraude concebido ao longo do tempo. O intuito do conceito é ajudar a entender por que alguém comete atos de corrupção e sua criação tem sido estudada ao longo dos anos. Inicialmente, apenas 3 elementos constavam nos estudos, mas conforme o tempo avançou, novos motivos foram acrescentados à lista.

Vejamos uma tabela com a evolução do conceito:

Pesquisadores que contribuíram para composição do Pentágono da Fraude (“Fontes”)
Pesquisadores que contribuíram para composição do Pentágono da Fraude (“Fontes”)

As 5 pontas do Pentágono da Fraude

Como vimos na tabela, o modelo apresenta 5 aspectos que explicariam porque as pessoas cometem atos fraudulentos:

  • Oportunidade
  • Pressão
  • Racionalização
  • Capacidade
  • Disposição ao risco
Pentágono da Fraude representado em uma figura geométrica
Pentágono da Fraude representado em, literalmente, uma figura geométrica 🤷🏻‍♂️

Oportunidade

Antes de mais nada, o indivíduo precisa ter uma oportunidade de fraude. E não é difícil compreender isso. Afinal, se ele não estiver envolvido em uma situação que possa conceder algum tipo de benefício fraudulento, ele não terá a chance de ceder a esse benefício.

Acho interessante dizer que isso não significa, necessariamente, uma falha na segurança dos processos. A oportunidade representa apenas o envolvimento das pessoas em situações que envolvem risco de fraude.

Um processo de licitação, por exemplo, é uma oportunidade de fraude. Haja vista que é impossível criar um sistema 100% inviolável, a mera existência de uma negociação acarreta em uma oportunidade de fraude.

Como as empresas podem atuar nisso?

As transições dentro de uma empresa, sejam elas financeiras ou não, são extremamente necessárias para a própria existência da organização. Portanto, nesse quesito, não há como “evitar oportunidades”.

Entretanto, um bom trabalho de mapeamento pode ajudar a identificar essas oportunidades. Assim, a partir delas, podemos criar dispositivos que evitem a incidência do risco. Criar controles que vão atuar sobre os riscos, minimizando sua chance de incidência ou os prejuízos advindos deles.

Pressão

A pressão é algo comum no mundo corporativo (felizmente ou não). Ela é uma força que, de algum modo, se exerce sobre os indivíduos e pode levá-los a se corromper. Quando, por exemplo, alguém de um cargo superior exige algo complexo de um colaborador, isso pode ser um gatilho de pressão, o que pode levar a fraude.

Uma meta desafiadora, por exemplo, pode exercer pressão sobre um colaborador. Entretanto, acho que vale ressaltar que essa pressão nem sempre vem da empresa. Pode acontecer de o próprio individuo se sentir pressionado, seja para agradar superiores, ganhar promoções ou apenas por medo de fracassar.

Como as empresas podem atuar nisso?

Quando a pressão é causada pela empresa, cabe entender e compreender como ela foi gerada. Por exemplo, definir metas críveis, que sejam sim desafiadoras, mas não inverossímeis, é uma forma de evitar pressão desnecessária.

Já quando essa pressão é auto infligida, ou seja, quando o colaborador cobra demais a si mesmo, não há muito que a empresa possa fazer. Obviamente, oferecer apoio psicológico pode ajudar, e muito. Mas é muito complicado identificar esse problema. Além disso, não sei se nós, como mercado e até mesmo como seres humanos, estamos prontos para isso. (o que é bastante triste =/)

Racionalização

Para nós que nos escandalizamos com a corrupção e fraude, não há motivos que justifiquem tais atitudes. Entretanto, aqueles que fraudam determinado processo licitatório, por exemplo, encontram dentro de si formas de racionalizar essa decisão.

Isso está ligado, é claro, ao discernimento do indivíduo e a percepção moral que ele tem de “certo ou errado”, “bom ou mal”, ‘ético ou antiético”. Esse é um conceito bastante complexo e internalizado, pois varia de acordo com o indivíduo, o contexto em que ele está inserido e ainda com o contexto de cada oportunidade de risco.

Um exemplo que o Renato citou na live é de um profissional que fraudou um processo para poder comprar uma casa maior para a família. Ele tinha 3 filhos que dividiam um mesmo dormitório e isso gerava certos problemas na convivência da família. Obviamente, isso não torna o ato dele correto, entretanto, durante a fase de racionalização dessa Oportunidade, isso interferiu para que o homem aceitasse sua ação fraudulenta como correta.

Como as empresas podem atuar nisso?

Este também é um fator extremamente intimista e individual, assim, não podemos ter controle sobre ele. O que pode ser feito, acredito eu, é um trabalho intenso de conscientização.

Como já disse antes, falar abertamente sobre o assunto é um tabu que pode prejudicar muito as empresas e pessoas. Quanto mais pudermos debater e falar sobre, mais conseguiremos que as pessoas tenham uma compreensão conforme aos desejos da empresa. Nesse caso, não é diferente.

Capacidade

Mesmo que uma pessoa tenha a oportunidade e racionalize correto um ato de fraude, nada será possível se ela não souber o que fazer. Portanto, um dos pilares mais importantes do Pentágono da Fraude é a Capacidade de operar o sistema.

Se seu não souber como cometer um ato fraudulento, eu obviamente não o farei! Esse aspecto é muito didático.

Como as empresas podem atuar nisso?

Talvez seja incompetência minha, mas eu sinceramente não vejo como as empresas podem atuar nesse ponto. De forma alguma. Digo isso porque nós sempre treinamos as pessoas para que elas sejam completamente capazes de operar o sistema.

É claro que não as treinamos para a fraude, mas o fazemos para que elas encontrem falhas e as corrijam. E é nas falhas que a fraude ocorre. Portanto, a meu ver, o que podemos fazer é atuar contra os outros aspectos que compõem o pentágono (Oportunidade, Pressão, Racionalização e Disposição ao Risco).

Disposição ao Risco

A disposição ao risco corresponde ao apetite do invidio a correr o risco.

Para que ele não cometa uma fraude, ele tem que entender que ela não vale a pena. Ou seja, ele tem que perceber que as consequências de “aproveitar” a oportunidade são proporcionais e tão possíveis quanto os “benefícios” que ele vai obter.

É mais ou menos assim: “Dadas as punições que posso receber, vale a pena cometer esse ato fraudulento?

Como as empresas podem atuar nisso?

Esse é um dos fatores que mais podem ser trabalhados. Afinal, se as oportunidades de fraude forem bem mapeadas, é possível criar controles e melhorá-los cada vez mais. O que, por si só, é um exercício anticorrupção.

Além disso, entender bem esse cenário e o contexto em que a empresa e seus colaboradores estão inseridos também vai mostrar o quão intensa deve ser a conscientização das pessoas.

Uma vez que a empresa demonstra consistentemente às pessoas que os mecanismos de detecção estão instalados e são eficientes, menores serão as incidências dos riscos de fraude, pois menor será a disposição de riscos dos indivíduos. (ufa, que frase enorme, desculpa, não consegui reduzir 😅)

Pentágono da Fraude: um modelo humano de análise da fraude e corrupção

Se eu pudesse resumir tudo que disse neste artigo, então eu diria:

Precisamos compreender se nossas empresas estão exercendo pressão incorreta sobre as pessoas e monitorar de perto as Oportunidades de fraude. Assim, conseguiremos conscientizá-las de que os “benefícios” da corrupção causam mais mal do que bem, reduzindo a disposição aos riscos e, dessa forma, impedindo a racionalização das práticas fraudulentas. (Meu deus, outra frase enorme, acho que esse tema me deixou mais prolixo 😅)

Sempre me esfocei para ver as coisas de uma perspectiva mais humana (claro que nem sempre consigo). E isso foi o que mais me chamou atenção para esse modelo e para o assunto em si. Eu não acho que o ódio que muitas vezes sinto vai resolver o problema.

Nós precisamos nos concentrar na causa raiz das coisas. E esse é um problema humano, se nos distanciarmos da nossa humanidade, cada vez mais vamos tratar as coisas do jeito errado. É difícil pensar que alguém que frauda e rouba é um ser humano com nós e merece ser tratado como tal, mas essa é a verdade! Se, talvez, nós compreendermos isso, vamos começar a “tratar a doença” e não “contrair cólera”. Nesse momento, talvez as coisas comecem a mudar.

Nota anti-hater

P.s.: gostaria de ressaltar que este artigo não tem a mínima intenção de passar pano aos atos de fraude, suborno ou corrupção.

Da mesma forma, em momento algum quis dizer que a punição não é necessária, pelo contrário. Atos de corrupção precisam ser punidos e combatidos para que possamos ter uma sociedade melhor, mais justa e sustentável. Eu apenas acredito no conceito de Justiça Restaurativa.

Não acredito ter dado a entender isso durante a escrita, entretanto, em tempos em que a internet é uma arena de gladiadores, vale ressaltar.

Dave Ramos
Dave Ramos

Sempre acreditei que as pessoas tem o poder de mudar o mundo a sua volta, desde que estejam verdadeiramente engajadas nisso. Tive ainda mais certeza disso quando me tornei Auditor Líder ISO 9001:2015 e comecei minha jornada na Qualidade. Por isso continuo a escrever sobre gestão e por isso criei a Fábrica de Qualidade: para ajudar pessoas a engajar pessoas! Clique AQUI para visitar a Fábrica.

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