A mentalidade de riscos sempre existiu, mas é fato que muita gente não a conhecia antes da 9001:2015. Então, “de uma hora pra outra”, milhares de profissionais se viram diante da necessidade de criar processos de Gestão de Risco.
Mais que isso, eles precisavam conscientizar as pessoas de que era preciso resolver o que ainda não aconteceu. Muitas Palestras, Workshops, Dinâmicas e Treinamentos (e auditorias) depois, muita gente ainda sofre para fazer com que as pessoas entendam a mentalidade de riscos. Entendam que as coisas podem dar errado, por isso precisamos pensar nelas, nos precaver.
A meu ver, esse problema tem uma causa raiz muito mais profunda e é sobre isso que eu gostaria de discutir hoje. Temos problemas para implantar uma mentalidade de riscos porque temos problemas para admitir erros.
A cultura da não-dúvida
Por algum motivo, em algum momento, alguém decidiu que ter dúvidas era ruim. O bom é a certeza e somente ela traz resultados. Acredito que há alguns séculos, isso era verdade. O grau de complexidade das empresas (e de toda sociedade) era muito menor, e era possível ter profissionais que entendessem “tudo que existia”.
Então, esses profissionais, de certa forma, eram o pilar central da empresa e tinham certeza de tudo. Resolviam tudo. Conheciam cada cantinho do chão de fábrica. Entretanto, agora, surgem novos contextos a todo instante. O que faz sentido hoje, deixa de fazer amanhã. O mundo mudou, mas a mentalidade das pessoas ainda não.
Como herança da Era da certeza, nós vivemos o momento da não-dúvida. (que nada mais é do que o medo de não saber)
As pessoas têm medo de não saber algo, tem vergonha de admitir que não sabem. Elas não se sentem à vontade de perguntar. Com isso, “nunca existem dúvidas”, mesmo que existam. Alguns gestores, inclusive, cobram de seus colaboradores que eles “saibam tudo”. Então, a dúvida foi transformada em erro, e errar também não era permitido.
Mas e a mentalidade de riscos com isso?
Então, em 2015, uma norma criada por “uns britânicos”, aparece para dizer que não bastar ter dúvidas. É preciso prever que vai dar tudo errado…
As pessoas, sejam elas colaboradores, gestores ou diretoria, ainda não aprenderam muito bem a ter dúvidas. Agora precisam aprender a ter erros (e nós já falamos: erros não são permitidos). Precisam entender que podem acontecer erros. Aprender que é preciso estar preparado para eles.
Mas como lidar com isso, se não lidamos bem nem mesmo com as dúvidas?
Projeto novo, muita empolgação para fazer acontecer, muita gente ansiosa para ver resultado. De repente, vem um asarão e manda: “Mas e se o fornecedor não entregar matéria prima?”. Pronto, lá vem o asarão. Esse não quer trabalhar. Tinha que ter um para “gorar” a empresa. Por aí vai.
Como desenvolver Mentalidade de Riscos?
Talvez, a esse ponto, você esteja se perguntando: “Tá bom Davidson, eu entendi, mas como desenvolve essa tal mentalidade de risco? Mentalidade é da cabeça das pessoas, não posso abrir a cabeça e enfiar isso lá”.
De certa forma, sim, a mentalidade é algo intrínseco ao indivíduo. Porém, o erro é achar que a mentalidade é algo abstrato, imaterializável. A mentalidade (de riscos, de melhoria, de valores, etc, etc, etc) vem da prática. Tudo o que fazemos influencia e atua para que desenvolvamos determinados modos de agir e reagir às coisas.
Muitas pessoas moldam sua mentalidade por meio da leitura, que é um ato prático. Você se senta em algum lugar, e lê um livro.
Outras pessoas moldam sua mentalidade por meio do diálogo. Elas conversam com outras pessoas sobre seus problemas e dificuldades e criam seu próprio modo de agir.
Há ainda pessoas que moldam seu jeito de agir baseadas nas coisas que estudam. Quando se veem diante de um problema, elas pesquisam formas de resolvê-los.
A questão é que as ações das pessoas determinam a mentalidade que elas vão adquirir. (essa frase não está completa, mas já chegamos lá)
Estimule as pessoas à ação
Então, minha tese nesse texto é: se você quer que as pessoas pensem de determinada forma, estimule-as a agir dessa determinada forma.
Isso significa alterar seus processos para que tenham ações práticas de gestão de riscos. Momentos específicos em que as pessoas possam ter dúvidas e pensar no que pode dar errado. Isso tem que ser estimulado, fomentado, posto em prática. Engajamento é ação!
Principalmente se você está em uma empresa que está começando a implantar a mentalidade de riscos (a Qualidade, uma norma, ou o que quer que seja), as pessoas vão ter dificuldade para entender isso de forma abstrata e, ainda mais, para transformar isso em ações.
Então, acrescente etapas aos processos. Crie rituais periódicos de análise de riscos e criação de planos de ação/contenção. Separe tempo para trabalhar nisso junto com as pessoas! Isso não é só uma questão de manter o processo rodando, mas de ajudar as pessoas a pensar sobre os riscos enquanto elas executam o processo.
Correlação rotina / mentalidade de riscos
Com o tempo, as pessoas vão começar a antecipar os riscos e fazer a gestão deles de forma mais natural. Com essas etapas, a gestão começa a se desmistificar na cabeça das pessoas, e elas incorporam isso à sua rotina.
Elas vão começar a gerir riscos por que é preciso, e não porque “o pessoal da qualidade mandou“. Isso acontece porque a mentalidade está profundamente ligada à ação. Assim:
A questão é que as ações das pessoas determinam a mentalidade que elas vão adquirir, enquanto a mentalidade determina as ações que as pessoas vão tomar. Há uma espécie de ciclo em que ação gera mentalidade e mentalidade gera ação. É esse ciclo é que vai formar verdadeiros Heróis da Gestão de Riscos!
(Aproveitando o gancho 🤓 passa lá na loja ver nossas camisetas dos Heróis da Gestão de riscos:
- o Homem dos Riscos, que é muuito divertido, e;
- a Deusa dos Riscos, que eu acho muito fofinha!
- P.s.: desculpa o merchan 🤣)
Conscientizar ainda é o primeiro passo!
O problema é acrescentar algo novo a esse ciclo, algo que as pessoas não estão familiarizadas. No início, você não vai ter ações, nem mentalidade, então o ciclo não roda. Geralmente, nós recorremos ao “porque fazer” e batemos muito forte nessa tecla. E isso é fundamental.
Entretanto, em alguns casos, nós falamos do porquê sem atrelá-lo ao como e quando. Ou seja, nós fornecemos o porquê sem orientar as pessoas para a prática. Então, ficamos esperando que as pessoas tomem a iniciativa e coloquem as coisas na rotina.
O problema é que, às vezes, mesmo entendendo o porquê, elas não sabem o que ou como fazer. Dessa forma, elas simplesmente não o fazem e tudo cai no esquecimento. Portanto, entenda que o estimulo à ação é tão importante quanto o trabalho de conscientização.