Princípio de Peter: organizações que evoluem para a incompetência

Entenda como o Princípio de Peter pode ser prejudicial para sua empresa e reduzir os níveis de engajamento das equipes. Leia agora!

O Princípio de Peter diz que todos nós tendemos a um ápice de incompetência. E, apesar de ele não falar especificamente sobre engajamento, acredito que ele também seja muito danoso nesse aspecto.

Se você pesquisar, vai encontrar vários artigos que ajudam a entender os motivos do desengajamento. Eu mesmo já escrevi alguns, com destaque para um que fala da 10018:2020. O artigo de hoje traz uma proposta parecida, mas diferente, haha.

Na maioria das vezes, associamos um problema a outro problema, ou seja, a uma deficiência ou dificuldade. Neste texto, vamos refletir sobre como algo bom (ser competente) pode reduzir os níveis de engajamento.

Claro que tem uma certa “pegadinha” aí, porque o problema em si não é esse “algo bom” e sim o que vem com ele. Mas calma que já chegamos lá. Além disso, vamos discutir algumas ações que podem reinventar essa dificuldade.

O Princípio de Peter: todos seremos incompetentes?

Se hoje, você precisasse promover alguém para um cargo importante, quem promoveria? Provavelmente você está pensando nas melhores pessoas que trabalham com você. Segundo o Princípio de Peter, isso pode ser um erro.

A teoria vem do livro “The Peter Principle” (1969), dos autores Laurence J. Peter e Raymond Hull. Segundo eles, as organizações promovem pessoas que não seriam competentes nas novas funções. A citação é seguinte:

Num sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência

O ciclo da incompetência

Funciona mais ou menos assim: uma pessoa é muito ótima em executar sua função. Então suas lideranças acreditam que ela será ótima em qualquer outra coisa também. Porém, para que alguém seja bom em algo, há vários fatores que contribuíram para isso:

  • predisposição às tarefas;
  • experiências de vida;
  • treinamento constante;
  • muita prática;
  • entre outros aspectos.

Quando essa pessoa for promovida, ela não será ótima na nova função. Podendo, até mesmo, ser incompetente. Então, podemos nos questionar: “Mas Davidson, com o tempo, ela pode se tornar ótima de novo”. Sim isso é real, porém, há 2 problemas aqui.

O primeiro é que ela vai levar tempo para “se otimizar”, sendo talvez incompetente e causando muitos estragos na jornada.

Segundo, porque como essa pessoa ótima deixou seu cargo anterior, outra pessoa ainda não ótima estará em seu antigo cargo. Outra pessoa possivelmente incompetente esperando o tempo passar para um dia se tornar ótima.

E aqui é que piora!

Afinal, o tempo passa, e ambas as pessoas se tornam ótimas em seus novos cargos. O que acontece? Ambas são promovidas e um terceiro individuo não competente é colocado para preencher o cargo mais baixo. Reiniciando o ciclo.

Agora, ao invés de 2 pessoas ótimas em suas funções, temos 3 pessoas que precisam se tornar ótimas (isso para não falar que ainda são incompetentes). Além disso, essa escala de promoções levará as pessoas a níveis em que elas não podem se tornar ótimas. Seja por falta de aptidão ou por deficiência no treinamento da empresa.

Como conclusão, esse ciclo prega que, mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão acabar em um cargo no qual são incompetentes.

Estudo sobre o Princípio de Peter

Três economistas americanos, Alan Benson, Danielle Li e Kelly Shue, publicaram há algum tempo um estudo que comprovava o princípio na área de vendas. Eles coletaram dados de mais de 200 empresas, estudando mais de 53 mil trabalhadores e cerca de 1,50 mil processos de promoção.

O estudo mostrou que os profissionais que mais vendiam, os melhores vendedores, tinham mais chances de ser promovidos. Entretanto, seu desempenho como gestores era pior e acabava por prejudicar as empresas.

“Nós descobrimos que profissionais que se tornaram gestores de vendas por serem vendedores 2X mais competentes que seus colegas se tornavam gestores 6% piores que os demais. Ao invés de melhorar as equipes, eles acabavam por reduzir o desempenho delas em mais ou menos 6%”, diz a economista Kelly Shue.

Mas e o engajamento com isso?

Certo, entendemos o conceito, mas como isso pode prejudicar o engajamento? Bom, é mais simples do que parece.

A primeira vista, ter pessoas competindo para ascender em uma empresa pode parecer um item de engajamento. Entretanto, vamos aplicar o princípio.

Uma pessoa é excelente em sua função, isso a encoraja e ela está feliz com seus resultados. Então, ela é promovida e se alegra por isso. Entretanto, ela percebe que não está apta para uma nova função. Agora, ao invés de um bom trabalho, ela recebe críticas e desaprovações. Além de receber cada vez mais trabalho.

Isso é o que nós conhecemos como o famoso:

“A recompensa do bom colaborador é mais trabalho”

Não tão tarde, essa pessoa vai se cansar, se frustrar e perder parte do engajamento que anteriormente tinha. Seus esforços, agora, estarão em suprir as novas deficiências do novo cargo.

Além disso, pense nos outros colaboradores que estão se esforçando para serem promovidos. Eles verão uma pessoa incompetente em um cargo hierarquicamente mais alto. Verão aquele colaborador que antes era ótimo fazer estragos na gerência, pro exemplo, e vão entender que o critério para ascensão de cargo não é a competência.

Afinal, o novo chefe delas é incompetente na função… (mesmo que ele não tenha culpa disso)

E aí é que está o ponto chave: algo que deveria ser um impulso para as pessoas e empresa acaba, na verdade, “descendo a régua” geral.

Como remediar a incompetência gerada pela concretização do Princípio de Peter

Segundo estudos, existem algumas ações que podem atenuar os efeitos desse problemão. São elas:

  • Avaliar constantemente o desempenho das pessoas, levando em consideração seu desempenho psicossocial e os conhecimentos adquiridos;
  • Formar continuamente as pessoas e avaliar seus desempenhos durante as formações;
  • Sobreposições temporárias”, em que as promoções devem acontecer enquanto o antecessor ainda está no cargo, assim pode haver transferência de competências e até mesmo avaliações finais.

Essas ações podem ajudar? Podem! Mas se pensarmos bem, elas não são mais do que obrigação. Se não estivermos fazendo isso nas transições, estamos errando mesmo se o Princípio de Peter não existisse. Imagine a quantos riscos estaríamos expostos sem um processo de transição que levasse esses fatores em consideração.

Como evitar o Princípio de Peter

Também existem algumas formas de evitar, ou seja, eliminar o risco de ascensão incompetente. Entretanto, elas são um tanto quanto polêmicas. Vejamos:

  • Promover as pessoas aleatoriamente

Isso mesmo, promover as pessoas sem analisar dados sobre elas. Apenas escolher alguém aleatoriamente. Apesar de estranho (pelo menos para mim é). Os economistas (Alan Benson, Danielle Li e Kelly Shue) dizem que há evidências de que esse tipo de promoção é mais eficaz do que as baseadas em performance e desempenho;

  • Contratar externamente

Nesse modelo, ao invés de promover internamente, contratamos alguém externo que seja ótimo no que precisamos. Assim, mantemos quem já é ótimo em seus cargos e acrescentamos mais alguém ótimo ao time. Esse modelo é eficaz, mas um pouco criticado por “desestimular a meritocracia”.

Qual é a melhor saída?

Então, não existe resposta certa ou fácil (E é muito difícil falar a respeito, rs). O que vou dizer aqui é fruto da minha experiência como líder de equipe, como alguém que estuda gestão há um bom tempo e, acima de tudo, como pessoa.

Penso que o Princípio de Peter está correto e vigente na maioria das empresas. Portanto, eu acredito que contratar externamente seja melhor. Porém, há um problema, isso, na atual cultura em que vivemos, pode ser extremamente complexo.

Digo isso porque as organizações se moldaram em torno da meritocracia, então ser bom em algo é, na cabeça das pessoas, sinal de promoção. Quando não promovemos alguém, essa pessoa vai se sentir mal depois de algum tempo.

Além disso, as promoções são também são a forma socialmente aceita de recompensar as pessoas. Para ganhar mais, nós precisamos “subir de cargo”. Quanto mais alto o cargo, maior a renda. E isso ainda é um fator primordial para nossa sobrevivência e prosperidade. As pessoas desejam promoções e salários mais atrativos. (P.s.: são apenas fatos, não juízos de valor)

Dessa forma, o fato é a hierarquia nunca foi totalmente benéfica para as organizações e tem causado cada vez mais problemas. Entretanto, nós evoluímos muito desde o surgimento das empresas hierárquicas e, agora, precisamos encontrar novas formas de organizar as pessoas. O difícil é pensar nisso do alto das nossas incompetências.

Notas importantes

Nota nº 1: apesar de a palavra incompetência ter grande peso negativo, beirando à ofensa, esse artigo leva em conta a competência quanto a capacidade de executar bem uma tarefa, atividade ou função. Lembrando do querido CHA (Competência = Conhecimento, Habilidade e Atitude).

Nota nº 2: não cheguei a mencionar no artigo, mas o livro “The Peter Principle” (1969) era uma sátira, um livro de humor. Entretanto, todas as sátiras têm âncoras na realidade e o livro acabou amplamente divulgado e aceito. Mais tarde, estudos comprovaram a existência e veracidade do Princípio de Peter. (Por isso a importância da nota º 1 😬)

Dave Ramos
Dave Ramos

Sempre acreditei que as pessoas tem o poder de mudar o mundo a sua volta, desde que estejam verdadeiramente engajadas nisso. Tive ainda mais certeza disso quando me tornei Auditor Líder ISO 9001:2015 e comecei minha jornada na Qualidade. Por isso continuo a escrever sobre gestão e por isso criei a Fábrica de Qualidade: para ajudar pessoas a engajar pessoas! Clique AQUI para visitar a Fábrica.

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