Falar sobre a espinhosa polêmica da venda de CERTIFICADOS ISO é sempre uma delícia… Fazer isso, então, depois de quase um mês sem escrever, já é quase uma afronta, haha. (desculpe a falta de artigos nos últimos dias, a Semana da Qualidade me exigiu muito esse ano! 😁)
Mas acho que a lição do artigo de hoje vale a pena. De qualquer forma, já vou avisando, tem “pegadinha” aí sim! (acho que tenho convivido demais com os Oompa-Loompas da Qualidade, kkkkkk)
Afinal, não falta gente para criticar a prática, mas ela continua acontecendo. E o legal é que nós geralmente atribuímos a culpa ao país:
- “Ah, mas no Brasil é assim mesmo”;
- “É o famoso jeitinho Brasileiro”;
- “Se fosse no exterior não acontecia”;
- e por aí vai, né…
Hoje, passada a euforia do Dia Mundial da Qualidade, quero explorar um pouco sobre esse assunto. Justamente porque o dia da Qualidade “passou”, mas nós precisamos entender que ele nunca passa! E, para isso, quero contar um pouco sobre um livro que li. Um que me fez refletir sobre essa odiosa prática brasileira de comprar certificados ISO…
Japão Feudal – O Livro dos Cinco Anéis
Como eu sou de veneta, vou começar pelo último tópico do título. O Japão! Todos nós admiramos a terra do sol nascente. Sabemos que ela é o berço da querida Qualidade e que, de lá, surgiram inovações que transformaram o mundo! (Como o Playstation 😬❤ kkkk)
Igualmente, sabemos do quão honrado é o povo japonês. De lá, surgiram diversos símbolos de bondade e justiça, como os Samurais. Acredito que os Samurais sejam um dos maiores símbolos de honra, disciplina e justiça já existentes. E não quero, de forma alguma questionar isso neste artigo.
Entretanto, uma informação que li me chamou atenção. “O Livro dos Cinco Anéis”, obra escrita por Miyamoto Musashi, retrata os ensinamentos do próprio Musashi sobre ser um espadachim. Musashi foi considerado o Samurai Invencível, saindo vencedor de todos os duelos que disputou (cerca de 60, documentados…).
A Promessa Escrita e o Selo de Sangue
Nas escolas Samurai de sua época, um certo ritual era bastante comum: a Promessa Escrita. Um aprendiz, ao iniciar seus estudos na academia, precisava assinar um termo de honra. Uma espécie de promessa ao dojo.
Conforme ele se graduava e “subia de nível” na escola, reforçava sua promessa escrita e selava a assinatura com sangue. E isso se repetia sempre que a instituição achava necessário.
Nem todas as escolas samurai exigiam tais promessas. Musashi era um dos mestres que não o fazia. Ele mesmo o diz no livro, e complementa que seus esforços eram para que os discípulos “se integrem naturalmente nos verdadeiros mandamentos das leis samurai”.
A questão que quero levantar, entretanto, é que essa prática das “promessas” escritas deu origem à venda de diplomas de samurai! (Notou alguma semelhança com a atualidade, hehe?) É isso mesmo, algumas escolas “de menos prestígio” começaram a vender “promessas escritas” e selos de sangue. Vender “diplomas de samurai”!
Quer se tornar um samurai, mas não quer passar por todo aprendizado, reforçar suas disciplinas e aprender/seguir um código de honra? Procure uma escola não tão confiável, com algumas moedas de ouro, e tudo certo!
Em plena era da honra, no Japão, a venda de certificados já estava presente. Já era um problema e já começava a corromper valores sociais importantes para a época.
Mas a venda de certificados ISO não era coisa do Brasil?
Para combater a prática da “venda de certificados ISO” (agora na Qualidade), a primeira coisa que devemos fazer é entender que a causa raiz dessa situação NÃO é o país.
A causa raiz é que as pessoas querem fazer parte das coisas boas. Como ser um samurai ou ter um sistema de gestão verdadeira. Ou seja, todos querem o “ônus”, mas infelizmente nem todos estão dispostos a conquistar isso da maneira correta.
Aqui, estamos falando do certificado ISO. Algo grande, importante e bastante formalizado, mas e os pequenos certificados do dia a dia? Aqueles que compramos ou burlamos na “hora do aperto”?
Aquele certificado que competências que achamos mais fácil conceder a realmente treinar. O documento que não lemos, e só trocamos a data de revisão. Aquela não conformidade que fingimos não identificar, para não tratar. O risco não mapeado para não precisar monitorar.
Aquele combinado que negligenciamos com nosso cônjuge por cansaço ou preguiça. Aquela promessa de visita nunca concretizada. Aquele lixinho que jogamos na rua pois “ninguém tá vendo”. A fila furada, o troco errado não devolvido, a caneta do balcão, a mascará pendurada na orelha.
Este, aquele, aquilo e etc, etc, etc. Quantos exemplos nós podemos mapear se perdermos 15 minutos pensando?
Mas não há um certificado para essas coisas, então, como dizem, “tá tudo certo!”…
A venda de CERTIFICADOS ISO não é um problema!
Não quero dizer, nesse artigo, que não devemos combater essa prática. De modo algum. Entretanto, bem na verdade, ela não é um problema. Afinal, no caso de um duelo, quem sairia vitorioso, o “samurai de certificado comprado” ou o que treinou anos a fia para aprimorar a arte da espada?
Assim, a venda de certificados é problema apenas de quem compra e de quem vende!
Quem compra, compra a ilusão de estar “ampliando o mercado”. Pode até conseguir alguns pedidos, mas manter bons clientes já é outra história. Para isso, é preciso Qualidade de verdade! É preciso ter uma gestão que funciona.
Quem vende, cultiva perto de si diversos “samurais de certificado comprado”. Dessa forma, na hora da guerra, esses samurais cairão e, com eles, levarão os comerciantes “selos de sangue”. Quem vende, cultiva perto de si arvores fadadas á morrer, ou seja, que nunca darão frutos de verdade.
Como eliminar a prática das vendas de certificados
Os certificados, selos, certidões e documentos, etc., são “promessas escritas”, ou seja, são formas de nós dizermos o que queremos fazer, ou ser, no futuro. Entretanto, promessas só tem valor quando seus emissores tem valor.
Portanto, quem tem valor somos nós, não os certificados que ostentamos nas paredes!
A melhor forma, então, de combater a prática das vendas de certificados (ISO ou qualquer que um o seja) e assegurar-se de que nós só mantemos relações com empresas e pessoas que realmente tem valor! Essa é a forma de fazer com que o mercado “se integre naturalmente nos verdadeiros mandamentos da ética e gestão”.
O que vai nos fazer realmente mudar o país e melhorar a vida das pessoas não é criar dispositivos e mais dispositivos de combate (repito: não que não seja necessário!). Mas sim valorizar quem faz o que faz as coisas do jeito certo, com honra, sensatez e respeito ao próximo.